Pela claridade do focado entendemos que se aplica plenamente o provérbio: "A bom entendedor, meia palavra basta!".
explicação menos má é uma
grande dose de
incompetência
Paulo Ferreira - 20090727
A forma como foi prolongada a concessão do terminal de contentores de Alcântara ao grupo Mota-Engil é um autêntico caso de estudo de "como não fazer".
O relatório do Tribunal de Contas (TC) à concessão do terminal de contentores de Alcântara devia ser de leitura obrigatória (está disponível em www.tcontas.pt).
Para os decisores do Estado ele é um verdadeiro manual de "como não fazer". Para os cidadãos ele é uma das mais escandalosas amostras de como se tomam decisões ruinosas para o Estado. Ou se trata de manifesta incompetência ou de um descaramento ilimitado.
Porque não se vê uma terceira via entre a inaptidão e o caso de polícia.
Invocando urgência quando ainda faltam sete anos para o fim da concessão actual, o Ministério das Obras Públicas decidiu alargar o prazo de concessão do terminal por mais 27 anos, ao mesmo tempo que validou um projecto de requalificação para triplicar a capacidade e aumentar a operacionalidade da infra-estrutura.
Repare-se como foi feito.
Primeiro, foi um ajuste directo. Como aquele é um monopólio regional, não houve concorrência entre a Liscont e outros potenciais candidatos. Este mecanismo óbvio para melhorar a posição negocial do Estado foi descartado. O grupo privado ficou, naturalmente, em enorme vantagem.
Depois, o Estado não estudou devidamente o risco de alternativas a este prolongamento da concessão. Uma delas seria a concessão passar para a APL.
Os investimentos previstos para o aumento de capacidade e requalificação somam, a preços correntes, 474,4 milhões de euros. Deste montante, 52 por cento serão encargo ao Estado, entre despesas e isenção de taxas concedida à Liscont.
As previsões de tráfego de contentores que serviram de base ao contrato são muito optimistas, diz o TC olhando para o tráfego do ano passado e estimado para este ano.
Por que é que isto é decisivo? Porque o Estado ficou para si com uma grande parte do risco do negócio. Se, em cada biénio até 2017, o tráfego ficar 20 por cento abaixo dessas previsões, o Estado compensa a Liscont por isso (até 2031 os desvios permitidos sobem até 25 por cento). Pelo contrário, se o tráfego aumentar em relação ao cenário base e o negócio se mostrar melhor do que se previa, o Estado só partilhará essas receitas extra se "se demonstrar que tal eventual excesso não resultou da eficiente gestão e das oportunidades criadas pela concessionária". Seria interessante verificar como é que o mesmo Estado que não fez o fácil e assinou esta galeria de horrores conseguirá, mais tarde, demonstrar o que é quase indemonstrável.
E, entre outras coisas, verificou-se que ao longo do processo negocial foram sendo efectuadas alterações aos parâmetros da concessão. Sem surpresa, todas elas foram no sentido de prejudicar o Estado e beneficiar a Liscont.
A rentabilidade do accionista, que era de 11 por cento no memorando inicial, no contrato final passou para 14 por cento. Fantástico, se tivermos em conta que o risco para a concessionária está, como vimos, extremamente limitado.
Na recta final de negociação (em Outubro de 2008), em apenas uma semana, o cálculo dos rendimentos líquidos para a Liscont saltou de 4,2 para 7,4 milhões de euros.
Não será isto o sonho de qualquer empresa privada?
Por incompetência ou com intenção, o certo é que as coisas foram feitas assim. Se agora, num assomo de sensatez, alguém decidir rasgar estes contratos ruinosos para o Estado, os contribuintes não se livram de ter que pagar chorudas indemnizações à Liscont.
E porque estas coisas têm protagonistas, eles devem ser nomeados.
Do lado do Estado, o principal responsável político por estes contratos está em funções e chama-se Mário Lino. A Liscont é do grupo Mota-Engil, que há mais de um ano tem como gestor principal Jorge Coelho. Antes disso, o ex-dirigente e ministro socialista já era consultor do grupo.
Mas até nos processos mais duvidosos se encontram protagonistas dignos.
Neste, é Mariana Abrantes, controladora financeira do Ministério das Obras Públicas à data da auditoria do TC, que nas respostas que dá a esta entidade aponta ela própria a generalidade dos grandes problemas deste negócio para o Estado.
Das duas uma: ou não foi ouvida durante as negociações, o que é no mínimo estranho dadas as suas funções; ou os seus alertas não foram considerados. Vá-se lá saber porquê.