sábado, 12 de setembro de 2009

11 de Setembro de 2009

Aos onze dias de Setembro de 2009 regressam a solo pátrio os restos mortais de Jorge de Sena, um filho da Nação que outros filhos da Nação se entretiveram a mortificar e que levou a que Jorge de Sena se exilasse.

Nos dias de hoje , se calhar a situação não teria sido muito diversa, pois não creio que pudesse ser bem visto pela nomenklatura actual. E também creio que ele próprio se sentiria numa situação similar à que infelizmente viveu.

Por estes e outros motivos não se pode deixar de citar aqui, um poema de sua autoria, que foi alvo de publicação no blog De Rerum Natura, do qual com a devida vénia o reproduzimos com todas as referências e citações:

O poema tem por título: A PORTUGAL


Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.

Nem é ditosa, porque o não merece.

Nem minha amada, porque é só madrasta.

Nem pátria minha, porque eu não mereço

A pouca sorte de nascido nela.

.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta

quanto esse arroto de passadas glórias.

Amigos meus mais caros tenho nela,

saudosamente nela, mas amigos são

por serem meus amigos, e mais nada.

.

Torpe dejecto de romano império;

babugem de invasões; salsugem porca

de esgoto atlântico; irrisória face

de lama, de cobiça, e de vileza,

de mesquinhez, de fatua ignorância;

terra de escravos, cu pró ar ouvindo

ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;

terra de funcionários e de prostitutas,

devotos todos do milagre, castos

nas horas vagas de doença oculta;

terra de heróis a peso de ouro e sangue,

e santos com balcão de secos e molhados

no fundo da virtude; terra triste

à luz do sol calada, arrebicada, pulha,

cheia de afáveis para os estrangeiros

que deixam moedas e transportam pulgas,

oh pulgas lusitanas, pela Europa;

terra de monumentos em que o povo

assina a merda o seu anonimato;

terra-museu em que se vive ainda,

com porcos pela rua, em casas celtiberas;

terra de poetas tão sentimentais

que o cheiro de um sovaco os põe em transe;

terra de pedras esburgadas, secas

como esses sentimentos de oito séculos

de roubos e patrões, barões ou condes;

ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

.

eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,

és mais que cachorra pelo cio,

és peste e fome e guerra e dor de coração.

Eu te pertenço mas seres minha, não.

.

Araraquara, 6/12/1961,do Capítulo "Tempo de Peregrinatio ad loca infecta" (1959-1969) do livro "40 Anos de Servidão", 2ª edição revista, Círculo de Poesia da Moraes Editores, 1982Jorge de Sena